segunda-feira, maio 30, 2005

A lavadeira

Num poio cavado de fresco, junto à casa dos meus pais, vi uma lavadeira. Uma lavadeira! Olha, uma lavadeira! Parecia uma criança, de tão contente fiquei. A lavadeira era linda, com o peito amarelo, e a cauda muito comprida, sempre a balançar. Uma lavadeira, é mesmo uma lavadeira! Fez-me lembrar a primeira vez em que vi uma lavadeira, um pássaro que sempre achei especial, e talvez por isso não o mencionei quando me referi às outras aves que povoaram a minha infância.
Nunca me esqueci da primeira vez que vi uma lavadeira: foi a caminho das Amoreiras, ou do Serralhal, talvez para lavar a roupa com a minha avó, na Ribeira, ou provavelmente para comprar alguma coisa na Venda do China. Nessa vez não fomos na vereda habitual que passava atrás do palheiro do Semião. Em vez disso descemos o velho "Caminho dos Burros", que atravessava a levada dos tornos, feito de pequenos degraus empedrados, e que nos fazia retomar a outra vereda, no cabeço defronte da Venda do China. Talvez tivéssemos primeiro ido a Casa das Gregórias e depois tomado esse caminho para não dar uma volta maior.
Ou talvez não fosse com a minha avó, mas fazer alguma volta com uma das minhas irmãs. Associo a minha avó à imagem da lavadeira porque foi ela que me disse como se chamava esse pássaro bem mais raro do que os outros e que não parava de abanar a cauda comprida. A lavadeira estava pousada numa pedra, lembro-me que era do lado direito do caminho, para quem ia descer. Pensando bem, acho que a minha avó não ia comigo porque tenho a ideia de lhe ter feito uma descrição detalhada da ave, e ter aguardado com a respiração suspensa pela sentença dela: "É uma lavadeira. Elas estão sempre embalançando o rabo e dão-se perto dos lugares onde tem água, perto das levadas ou dos poços." Estava explicado, a "levada grande" localizava-se apenas um pouco acima do local onde avistei a lavadeira.
Vi uma lavadeira empoleirada no poio cavado de fresco junto à casa dos meus pais. Balançava a cauda ininterruptamente e deixou-se observar durante um bom bocado, enquanto eu tentava conter as exclamações para não a assustar. Mas ali perto não há água, a levada fica bem mais para cima. É possível que as lavadeiras também estejam a mudar de hábitos, tal como a papinha esperta que trocou os bardos pelos diabinhos do alpendre da casa dos meus pais, um local bem mais protegido dos outros animais e ainda pro cima abrigado da chuva. Se até os pequenos pássaros se adaptam às novas situações, procurando soluções novas perante novas realidades, porque terei eu às vezes tanta dificuldade em aceitar as mudanças? Porque me sentirei desadequada de tudo, tão fora do estranho mundo do cinismo em que a maioria das pessoas parece viver bem e sentir-se bem e não querer de lá sair?

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